SUSPEITA DE LEPTOSPIROSE? E AGORA, COMO É REALIZADO O DIAGNÓSTICO LABORATORIAL?
BREVE REVISÃO SOBRE A ENFERMIDADE:
É uma enfermidade febril aguda, causada por bactérias Monera, Filo Spirochaetes, classe Spirochaetes, ordem Spirochaetales, família Leptospiraceae, gênero Leptospira spp. Pode ocorrer em animais domésticos, silvestres e humanos. Zoonose com distribuição mundial, endêmica na América Latina e no Caribe, com grande impacto na saúde pública e nos cofres públicos mundiais.
No Brasil, a leptospirose é uma doença endêmica, tornando-se epidêmica em períodos chuvosos, principalmente nas capitais e áreas metropolitanas, devido às enchentes associadas à aglomeração populacional, às condições inadequadas de saneamento básico, e à alta infestação de roedores sinantrópicos infectados. As leptospiras infectam por meio das mucosas (pele integra), ou feridas na pele, o que a torna ainda mais desafiadora.
Algumas profissões facilitam o contato com as leptospiras, como trabalhadores de limpeza urbana, agricultores, médicos veterinários, tratadores de animais, pescadores dentre outros. Contudo, a maior parte dos casos ainda ocorre entre pessoas que habitam ou trabalham em locais com infraestrutura sanitária inadequada, e expostas à urina de roedores, o que dificulta sua profilaxia e controle, e também o fato de que os roedores são considerados portadores universais sãos da enfermidade.
Existem registros de leptospirose em todas os estados brasileiros, com maior número de casos nas regiões sul e sudeste. Em 2023, foram confirmados 3338 casos nas grandes regiões do Brasil. Em relação ao gênero e idade, o sexo masculino com faixa etária entre 20 e 49 anos estão entre os mais acometidos, embora não exista uma predisposição de gênero ou de idade para contrair a infecção. Quanto às características do local provável de infecção, a maioria ocorre em área urbana, e em ambientes domiciliares.
O período de incubação, pode variar de 1 a 30 dias, e normalmente ocorre entre 7 a 14 dias após a exposição a situações de risco. A doença apresenta elevada incidência em determinadas áreas além do risco de letalidade, que pode chegar a 40% nos casos mais graves. As inundações propiciam a disseminação e a persistência da bactéria no ambiente, facilitando a ocorrência de surtos.
QUAIS SÃO OS 10 PRINCIPAIS SINTOMAS DA LEPTOSPIROSE:
- Febre
- Inapetência
- Dores musculares, principalmente na panturrilha
- Dores de cabeça
- Náuseas e vômitos.
- Exantema
- Icterícia
- Esplenomegalia e/ou hepatomegalia
- Sufusão conjuntival
- Síndrome de Weil: caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragia pulmonar.
QUAIS SÃO OS EXAMES REALIZADOS PARA O DIGNÓSTICO DE LEPTOSPIROSE?
- TÉCNICAS DE COLORAÇÃO
- Visualização de espiroquetas em microscopia de campo escuro: Espécimes adequados para o diagnóstico laboratorial:sangue durante a fase aguda (leptospiremia), urina na fase crônica (leptospirúria). Pode-se enviar ainda líquido céfalo-raquidiano e suspensão de macerados de órgãos. Limitações quanto ao tempo de morte do animal, que pode inativar as leptospiras, impedindo a sua visualização, pois o diagnóstico se baseia na movimentação característica do agente, que pode ser inativado rapidamente em pH ácido, com a urina de cães. Outro fator limitante refere-se ao número de leptospiras presentes no material e a eliminação intermitente pela urina, o que dificulta o diagnóstico
- Métodos de impregnação pela prata: Fontana-Tribondeau utilizados para esfregaços, e método de Levaditi para secções de tecidos, principalmente rim (histopatológico). Podem ser utilizadas ainda as técnicas de Warthin-Starry, Gomori, Argentometanoamina.
- Coloração por vermelho congo: as espiroquetas não se coram, aparecendo em contraste com o fundo.
- ISOLAMENTO EM MEIOS DE CULTURA E EM ANIMAIS DE LABORATÓRIO
- Meios especiais: Fletcher, EMJH (Ellinghausen-McCullough-Jonhson-Harris) e Stuart. Ocorre o desenvolvimento de um ou mais anéis (zona de Dinger), no meio de cultivo semi-sólido, que são zonas de denso crescimento de leptospiras.
- O modelo biológico mais recomendado é o Hamster (Mesocricetus auratus), no qual se faz a inoculação via intra-peritoneal de 0,5 a 1 mL de amostra, e a partir do primeiro pico febril, faz-se punção cardíaca com observação entre lâmina e lamínula de uma gota de sangue para detecção de leptospiras, em exame de campo escuro, bem como o cultivo de amostras desse sangue em meio de Fletcher para reisolamento e caracterização do isolado.
- EXAMES SOROLÓGICOS
- Será descrita a prova de soroaglutinação microscópica (SAM), que é preconizada pela OMS, utilizando-se como antígenos os sorovares, prevalentes em cada região do Brasil. Manutenção dos sorovares de leptospiras para a prova sorológica: O repique para a manutenção do antígeno é realizado semanalmente da seguinte maneira: Em câmara asséptica, retiram-se 2 mL de cada um dos tubos de manutenção recentes (EMJH) repassando 1 mL para dois novos tubos de EMJH. Os tubos devem ser mantidos em estufa a 28-30 ºC, temperatura ideal para o desenvolvimento das leptospiras.
- Descrição da Prova de Soroaglutinação Microscópica (SAM):
- Material utilizado: O material utilizado é o soro. Quando o material enviado for o sangue, este deve ser devidamente dessorado, sendo centrifugado se necessário. O soro é então acondicionado em eppendorf` devidamente identificado, e mantido sob temperatura de congelamento até o momento do processamento.
- Como antígeno, são utilizadas culturas de cepas-padrão de leptospiras, mantidas por repiques semanais em meio líquido de EMJH. Só devem ser usadas como antígenos culturas de 4 a 14 dias, que não apresentem contaminantes e nem auto-aglutinação.
- A bateria de antígenos a ser empregada na prova de aglutinação microscópica deve incluir representantes de sorogrupos de todos os sorovares existentes no país ou na região. A essa coleção de cepas, poderão ser adicionadas outras, isoladas no mesmo país ou região, desde que a identificação tenha sido realizada por laboratórios de referência. Quaisquer outras cepas poderão ser acrescentadas, desde que representem a situação epidemiológica local.
- No momento da prova, as culturas que vão ser usadas como antígeno, devem ser diluídas em PBS de pH 7,6 na proporção de 1:2, calculando o volume de cada antígeno de acordo com a quantidade necessária para a prova.
- PROVA DE TRIAGEM:
- O soro é diluído colocando-se 0,1 mL deste para 4,9 mL de PBS pH 7,6 em um tubo de ensaio pequeno, correspondendo a diluição 1:50. Em microplaca, devidamente identificada e marcada, pipetar 25 microlitros do soro diluído nas cavidades, formando uma fileira. O número de poços preenchidos depende do número de sorovares que serão testados. Faz-se o mesmo para o controle, onde é pipetado PBS pH 7,6;
- Acrescentar nas respectivas cavidades, inclusive controles, 25 microlitros das correspondentes suspensões antigênicas, passando a diluição final em cada cavidade para 1:100. Agitar levemente a microplaca, e incubar em estufa a 37 o C, por uma hora.
- Examinar placa em microscópio de campo escuro e observar na objetiva de 10X e ocular de 10X; Anotar o grau de aglutinação para cada sorovar, considerando reagentes aqueles que apresentam 50% ou mais de aglutinação, ou seja no mínimo 50% de leptospiras aglutinadas, e 50% livres, tendo como referência os respectivos controles.
ESQUEMA ILUSTRADO DA PROVA DE TRIAGEM DA SAM:

Fonte: Serviço de Diagnóstico de Zoonoses, da Faculdade de Veterinária e Zootecnia – Unesp Botucatu. Professor Dr. Felipe Fornazari, 2024.
PROVA DE TITULAÇÃO:
- O soro que, na prova de triagem, apresentar 50% de aglutinação ou mais, deverá ser submetido à prova de titulação, realizando a mesma somente para os sorovares reagentes. A partir da diluição 1:50 utilizada na prova de triagem (4,9mL PBS e 100µL soro), preparar mais seis diluições do soro ou quantas forem necessárias, consecutivas e ao dobro (títulos de 100 a 3200, ….).
- Preparar em uma microplaca com fileiras de seis poços, que corresponderão à titulação de um determinado sorovar. À parte, preparar também, um poço para controle de cada antígeno utilizado. Colocar 50 microlitros de soro diluído a 1:50 no primeiro poço de reação do sorovar testado, colocando 25 microlitros de PBS 0,01M pH 7,6 nos demais poços do respectivo antígeno. Proceder da mesma forma para as demais amostras de soro testadas.
- Para se obter a diluição desejada, após homogeneização, pipetar 25 microlitros da primeira diluição para o próximo poço, agindo assim sucessivamente, desprezando-se os 25 microlitros da última diluição. No final todos os poços apresentarão 25 microlitros de suspensão (diluente + soro). Pipetar 25 microlitros do antígeno (sorovar) correspondente a cada poço da respectiva fileira e ao controle. (Nessa etapa, as diluições passarão a ser de 1:100 a 1:3200).
- Incubar por 1 hora e fazer a leitura conforme descrito para a prova de triagem; Considerar como título a maior diluição do soro capaz de aglutinar 50% ou mais das leptospiras, em relação ao controle. No laudo de resultados, deverão estar mencionados todos os antígenos utilizados na reação, assim como os respectivos títulos obtidos.
AMOSTRAS DE LEPTOSPIRAS UTILIZADAS NO DIAGNÓSTICO LABORATORIAL HUMANO:
Genomespécie | Sorogrupo | Sorovar | Amostra |
Leptospira interrogans | 1. Australis | 1A. Australis | Ballico |
Leptospira interrogans | 1B. Bratislava | Jez-bratislava | |
L. santarosai | 16. Serjoe | 2. Guaricura | Bov. G |
Leptospira interrogans | 2. Autumnalis | 2A. Autumnalis | Akiyami A |
Leptospira kirshneri | 2B. Butembo | Butembo | |
Leptospira borgpetersenii | 3. Ballum | 3. Castellonis | Castellón |
Leptospira interrogans | 4. Bataviae | 4. Bataviae | Van Tienen |
Leptospira interrogans | 5. Canicola | 5. Canicola | Hond Utrecht IV |
Leptospira weilli | 6. Celledoni | 6. Whitcombi | Whitcombi |
Leptospira kirshneri | 7. Cynopteri | 7. Cynopteri | 3552 C |
Leptospira kirshneri | 9. Grippotyphosa | 8. Grippotyphosa | Moska V |
Leptospira interrogans | 10. Hebdomadis | 9. Hebdomadis | Hebdomadis |
Leptospira interrogans | 11. Icterohaemorrhagiae | 10A. Copenhageni | M 20 |
Leptospira interrogans | 10B. Icterohaemorrhagiae | RGA | |
Leptospira borgpetersenii | 12. Javanica | 11. Javanica | Veldrat Batavia 46/RA 94 |
Leptospira noguchii | 13. Panama | 12. Panama | CZ 214 K |
Leptospira interrogans | 14. Pomona | 13A. Ppomona | Pomona |
Leptospira interrogans | 14. Pomona | 36. Pomona | Pomona |
Leptospira interrogans | 15. Pyrogenes | 14. Pyrogenes | Salinem |
Leptospira interrogans | 16. Sejroe | 15A. Hardjo | Hardjoprajtino |
Leptospira interrogans | 15C. Bovis | Hardjo bovis | |
Leptospira santarosai | 17. Shermani | 16. Shermani | LT821 |
Leptospira borgpetersenii | 17. Tarassovi | Perepelicin ou Mitis Johnson | |
Leptospira interrogans | 8. Djasiman | ST. Sentot | Sentot |
Leptospira interrogans | Canicola | NUP-1. Nupezo 01 | BTU. Nupezo 01 |
ID antiga | ID atualizada |
Fonte: Serviço de Diagnóstico de Zoonoses, da Faculdade de Veterinária e Zootecnia – Unesp Botucatu. Professor Dr. Felipe Fornazari, 2024.
FORMAS DE PROFILAXIA E CONTROLE DA DOENÇA:
- Evitar contato com águas potencialmente contaminadas;
- Usar galochas, quando for preciso entrar em contato com a água da enchente, por exemplo;
- Lavar e desinfetar com água sanitária ou cloro o chão, móveis, a caixa de água e tudo que tiver entrado em contato com a enchente;
- Jogar fora os alimentos que entraram em contato com a água contaminada;
- Lavar todas as latas antes de as abrir, seja de alimentos ou de bebidas;
- Ferver a água para consumo e para a preparação de alimentos e coloque 2 gotas de água sanitária em cada litro de água;
- Eliminar todos os pontos de acúmulo de água após as enchentes por causa da multiplicação do mosquito da dengue ou malária;
- Não deixar acumular lixo em casa e coloque-o em sacos fechados e longe do chão para evitar a proliferação de ratos;
- Sempre utilizar luvas de borracha, principalmente quando mexer no lixo ou realizar limpezas em locais que possam ter ratos ou outros roedores;
- Higienizar muito bem os alimentos antes de consumi-los, com água potável e também higienizar as mãos antes de se alimentar
Conteúdo por:
Mariana Zanchetta e Gava

Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Vila Velha- ES. Residência em Medicina Veterinária, na área de Zoonoses e Saúde Pública, pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP- Botucatu). Mestre em Doenças Tropicais, com ênfase em Doenças Infecciosas pela Faculdade de Medicina de Botucatu, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Possui experiência em diagnóstico sorológico, microbiológico e biomolecular. Atua nas linhas de pesquisa de Medicina Veterinária Preventiva, nos seguintes temas: Zoonoses, Epidemiologia, Doenças Infecciosas e Parasitárias dos Animais, Saúde Única e Saúde Pública. Atualmente é doutoranda em Doenças Tropicais, com ênfase em Epidemiologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp, Campus Botucatu. É associada ProEpi.
REFERÊNCIAS:
Disponível em: https://www.saojorge.rs.gov.br/noticias_ver.php?id_noticia=142. Acesso em: 24 de jun. de 2024.
FORNAZARI, F. Serviço de Diagnóstico de Zoonoses, Laboratório de Diagnóstico de Zoonoses, da Faculdade de Veterinária e Zootecnia – Unesp Botucatu. 2024.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/l/leptospirose/situacao-epidemiologica#:~:text=No%20Brasil%2C%20a%20leptospirose%20é,alta%20infestação%20de%20roedores%20infectados. Acesso em 23 de jun. de 2024.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/l/leptospirose. Acesso em 23 de jun. de 2024.