Nota da ProEpi sobre as recentes queimadas e onda de calor no Brasil

O bioma amazônico, maior do Brasil (ocupando quase metade do território), é tão grandioso quanto os seus números: abriga a maior floresta tropical e a maior bacia hidrográfica do planeta e ainda se estende por outros 07 países.

Nossa parte dessa imensa floresta é rica em espécies vegetais e animais – são mais de 30 mil espécies de plantas catalogadas – sendo mais de 100 ameaçadas de extinção; é onde vivem diversos animais, destacando as harpias brasileiras, os botos-cor-de-rosa e as ariranhas – que ultrapassaram as fronteiras da realidade e há muito participam do nosso folclore; sem esquecer da enorme reserva biológica de onde devem ser pesquisadas e extraídas com consciência diversas matérias-primas que contribuem para a fabricação de fármacos e manutenção da infraestrutura do nosso país.

Além de tudo, a Amazônia é o lar de mais de 30 milhões de pessoas, que dependem dos seus recursos e serviços ecológicos – inclusive mais de 200 grupos indígenas e diversas outras populações tradicionais.

Nesse sentido, a ProEpi vem a público registrar nossos pesares à essa população que vem sofrendo com a seca e as queimadas e colocar-se à disposição do Poder Público e de outras Organizações Não Governamentais para empreender ações de avaliação do impacto, mitigação e recuperação de danos à floresta, especialmente referente à saúde coletiva.

Nossos associados, especialmente aqueles da Região Norte, Centro-Oeste e Nordeste, foram convidados a colaborar nessa nota e seguimos com a sistematização dos elementos compartilhados:

A situação apresentada na região amazônica preocupa do ponto de vista da imunização da população e, consequentemente a prevenção de doenças imunopreveníveis, sobretudo nas populações mais isoladas, de difícil acesso.” 

É preciso lançar mão de estratégias que garantam a proteção do território, por meio do alcance dos indivíduos, famílias e comunidades para a realização da vacinação. Detaca-se que, num cenário de escassez de água potável, as crianças, idosos e imunocomprometidos configuram grupos com maior exposição ao risco de adoecimento e óbito para outras doenças, não somente às de origem hídrica e alimentar. Se não há acesso por via fluvial, é imprescindível o envio de imunizantes via terrestre ou aérea para toda a população que sofre tal isolamento.

Aline Almeida da Silva – Secretaria de Atenção Primária à Saúde/MS – Brasília

A Associação Brasileira de Profissionais de Epidemiologia de Campo (ProEpi), organização sem fins lucrativos e com o propósito de apoiar ações de vigilância em saúde em todo o país, vê com forte preocupação os recentes desastres naturais que afetam os extremos do território nacional como a seca persistente na região Amazônica e as chuvas e ventos fortes nas regiões Sul e Sudeste. Os membros da ProEpi se solidarizam com as comunidades impactadas e reforçam o compromisso da Associação em contribuir para a mitigação de danos.

Os desastres naturais em curso resultam em importante impacto sobre a saúde das populações atingidas, bem como sobre a biodiversidade. Biomas importantes como o Amazônico que abriga a maior bacia hidrográfica do planeta com incontáveis espécies vegetais e animais, muitas ameaçadas de extinção, e se estende por sete países. A seca extensa e intensa tem resultado na mortandade de animais de diferentes espécies e no aumento das queimadas. Vale destacar, que nos estados amazônicos vivem mais de 200 grupos indígenas e cerca de 30 milhões de pessoas, cuja maioria em situação de vulnerabilidade social e dependentes economicamente da floresta tropical. No outro extremo do país, estão os estados da região Sul onde vivem aproximadamente 31 milhões de pessoas com expressiva variação nas condições de vida entre cidades e entre as áreas urbanas e rurais.

A ProEpi manifesta sentimento de solidariedade aos atingidos, mas também de responsabilidade reforçando junto aos gestores públicos que, independentemente do desastre natural e do local, é fundamental que as cidades atuem proativamente no sentido de buscar prevenir os danos causados pelos ventos fortes, tufões, chuvas e secas excessivas e intensas, ondas de calor, queimadas, entre outros. Diante dos cenários atuais de destruição e perda de vidas humanas e de destruição do meio ambiente e da fauna e flora, é necessário que gestores municipais, estaduais e federal adotem uma abordagem holística, abrangente e coordenada que envolve intensamente medidas de prevenção, preparação, resposta e recuperação dos locais e da população afetada.

Planejamento urbano sustentável, participação comunitária, sistemas de alerta precoce e de comunicação com a população sobre risco, campanhas de conscientização das pessoas sobre como agir em caso de emergência, infraestrutura urbana resiliente, sistemas de abastecimento de água, esgoto e energia na região amazônica especialmente, entre outras, são algumas ações fundamentais ao enfrentamento de fenômenos naturais imprevisíveis.

Por fim, os associados da Proepi reafirmam o compromisso com a promoção da saúde e o enfrentamento das emergências em saúde pública por meio da cooperação Poder Público e de outras Organizações Não Governamentais para empreender ações de avaliação do impacto, mitigação e recuperação de danos às cidades e a floresta, especialmente referente à saúde coletiva.

Waneska Alves – UFJF GV – Governador Valadares, MG

Os relatos a seguir são de associadas que estão residindo na região norte e reforçam a necessidade urgente de providências para conter/diminuir os impactos causados:

“Resido em Manaus-AM e nesses últimos meses temos presenciado uma situação desesperadora. Além das altas temperaturas e seca histórica, que levou à morte de vários peixes e animais aquáticos, temos sofrido muito com os incêndios florestais e a fumaça produzida por estes. Manaus nos últimos meses tem ficado nas primeiras colocações no ranking de cidade com pior qualidade de ar e quem tem sofrido as consequências, são a população humana e animal que aqui vivem. O pior de tudo é a omissão do governo, que ao invés de unir esforços para combater o problema, tenta responsabilizar outros estados e fingir que está tudo bem por aqui.

Presenciamos um total descaso para com a população local. Torcemos para que esse pesadelo e emergência em saúde pública acabe e que possamos voltar a ter ar de boa qualidade, que as pessoas voltem às atividades cotidianas normais.”

Samyly Aguiar, Mestranda em PPGVIDA – Fiocruz Amazônia, Manaus – AM

“Com a seca intensa, a floresta fica propensa a propagação do fogo. O que assistimos hoje são áreas de seca sendo frequentada por humanos, contaminando aquele solo que será ou espera-se que se tornem rios. Os flutuantes, principalmente os de lazer que ficam na orla do Rio Negro de Manaus, onde essas pessoas estão despejando seus dejetos? Não observamos orientações quanto aos cuidados que devemos ter, tanto com o solo exposto – que está servindo de ponto turístico e registros fotográficos –  quanto com os dejetos despejados no rio. 

Não há monitoramento para saber se nosso lençol freático está sendo contaminado, local de onde captamos nossa água para consumo. Quanto às queimadas, nossa fauna e flora estão sendo destruídas. Não observamos orientações ou alertas sobre a aproximação dos animais, em área urbana ou em áreas rurais domiciliadas, em busca de água e alimentos. A seca e as queimadas vão mudar toda ordem natural de ciclo de vida da fauna e flora, o que pode, futuramente, trazer novas doenças ou intensificar/fortalecer doenças existentes. 

Se não pensarmos antecipadamente e agirmos com ações que possam diminuir o impacto, poderemos ter surtos, epidemias e assim sucessivamente. Ao olharmos detalhadamente as notas técnicas que são divulgadas pelos departamentos de gestão, não observamos as preocupações futuras e a interação entre ambiente, animal e humano que chamamos de “One Health”. 

Nos municípios, as pessoas tentaram apagar o fogo com as mãos, por vários dias, sem nenhum tipo de EPI, e inalaram monóxido de carbono em grande quantidade, pois buscavam salvar suas plantações. A gente se pergunta, o que essas pessoas podem apresentar futuramente? Para as pessoas que moram no Amazonas, o transporte principal aos hospitais principais das regiões de saúde é demorado e não há especialidades médicas; é necessário que esses cidadãos se desloquem para a capital, deslocamento esse que tem um custo altíssimo. Além disso, consultas nas especialidades são solicitadas pelo Sistema de Regulação, o  que demora muitos meses, dependendo da especialidade. 

Inalamos fumaça diariamente, sentimos ardência nos olhos; os sintomas de rinite e sinusite são acentuados,  inclusive a dor de cabeça. Nossos peixes estão morrendo, além de nossos rios a maioria está contaminado por mercúrio devido aos garimpos ilegais.Como serão nossos peixes no futuro? A principal alimentação do Amazonense é o peixe, principalmente dos ribeirinhos e das pessoas de baixa renda. Novembro é o mês que inicia a piracema, onde os peixes iniciam a desova, e a gente se pergunta, vai ter peixe suficiente para alimentação do ano que vem? qual vai ser a qualidade desse peixe? A piracema vai ocorrer em seu ciclo normal? Nossos botos e peixes estão morrendo, a água está escaldante… Vários fatores nos preocupa neste momento.”

Rosiane Mendes Valente /Cievs Manaus (bolsista Fiotec /MS) Residencia Manaus

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