A Epidemiologia de Campo em face às mudanças climáticas: exposição ao calor

Uma das grandes consequências das mudanças climáticas são as ondas de calor cada vez mais intensas, resultando no aumento vertiginoso da temperatura global. De acordo com a Organização Mundial Meteorológica (WMO), os últimos oito anos têm sido os mais quentes da história, com as temperaturas globais aumentando aproximadamente em 1,1°C desde a era pré-industrial. Projeções indicam que nós estamos em direção a um aumento de temperatura ao redor do mundo de cerca de 2,7°C ao fim do século, o que irá impactar regiões como a América do Sul. No Brasil, em particular, é esperado o aumento de ondas de calor severas, apresentando sérios riscos para a saúde pública.

Ondas de calor históricas

  • Europa (2003): Esta foi uma das ondas de calor mais mortais registradas na história, com cerca de 70.000 mortes estimadas. França, Itália e Espanha foram os países mais atingidos pela onda de calor, com a França sozinha reportando cerca de 14.000 mortes. A onda de calor causou diversos impactos nas colheitas; desencadeou incêndios e levou à escassez de energia. As condições extremas foram fortalecidas por um sistema de alta pressão estagnado, levando a temperaturas recordes de 38°C em Londres e 42°C em Paris. Este evento foi associado às mudanças climáticas e levou vários países a adotar sistemas de alerta de ondas de calor.
  • Rússia (2010): A Rússia passou por uma onda de calor devastadora em 2010, levando a cerca de 56.000 mortes. Incêndios devastaram milhares de hectares em florestas, e a fumaça das queimadas causaram uma emergência em saúde pública no país. A capital Moscou presenciou temperaturas na faixa dos 38ºC, quebrando todos os recordes anteriores. A onda de calor resultou em uma seca generalizada no país, contribuindo para a destruição de colheitas e gerando impactos socioeconômicos duradouros no país.
  • Índia (2015): Os país asiático enfrentou severas ondas de calor, particularmente em Estados como o Rajastão, onde as temperaturas atingiram cerca de 50°C. Centenas de pessoas morreram devido a doenças relacionadas ao calor, e as temperaturas extremas agravaram os problemas de escassez de água, levando a um agravamento da crise em algumas regiões. A Índia, desde então, tem visto ondas de calor mais frequentes e severas nos últimos anos, associadas diretamente às mudanças climáticas.
  • América do Norte, Noroeste do Pacífico (2021): Essa onda de calor sem precedentes atingiu a região conhecida como noroeste do pacífico, incluindo os Estados Unidos e Canadá, mais especificamente as regiões da Colúmbia Britânica e Alberta no lado canadense e os Estados de Washington e Oregon no lado estadunidense. A região de Lytton no Canadá registrou temperaturas de cerca de 49.6°C, um recorde histórico em todo o país.  Foram registradas cerca de 740 mortes na província da Colúmbia Britânica e 66 em Alberta. No lado americano, cerca de 100 mortes foram relacionadas à onda de calor no Estado de Washington e 83 no Estado de Oregon. Além das mortes, o evento também impactou a infraestrutura da região como estradas e linhas de energia, que cederam devido ao calor extremo. 
  • Brasil (2023): Em novembro de 2023 o Brasil enfrentou uma de suas maiores ondas de calor da história, com a temperatura chegando a 44,8°C na cidade de Araçuaí em Minas Gerais. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) a temperatura quebrou o recorde anterior de 44,7°C registrado em 2005. O calor sem precedentes foi atribuído ao fenômeno El Niño e às mudanças climáticas e, como resultado, o consumo de energia atingiu níveis recordes, levando a quedas de energia em todo o país devido à alta demanda, além da seca severa que atingiu o país, agravando os efeitos da onda de calor.

A ampliação do calor

As mudanças climáticas têm aumentado significantemente a frequência e a intensidade das mudanças de calor. De acordo com o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), a probabilidade de eventos de extremo calor mais que dobrou devido à atuação humana nas mudanças climáticas. A tendência é contínua, com modelos prevendo ondas de calor mais intensas e frequentes nas próximas décadas.

Riscos para a saúde associadas à exposição ao calor

As populações vulneráveis – como os mais velhos, crianças e pessoas com condições de saúde pré-existentes- são as que estão em maior risco. Em 2022, ocorreram mortes relacionadas ao calor no Brasil. O The Lancet Countdown on Health and Climate Change estimou que entre 2000 e 2019, a mortalidade relacionada ao calor aumentou em 53,7% ao redor do mundo. Este número é um sinal da urgência necessária para intervenções em saúde, mais especificamente em áreas de alto risco.

O calor extremo pode levar a diversos problemas de saúde, incluindo:

  • Insolação: uma condição grave onde a temperatura interna do corpo sobe acima de 40°C, podendo causar falência múltipla de órgãos e levar a óbito;
  • Exaustão pelo calor: caracterizada por suor intenso, fraqueza e tontura, muitas vezes levando a condições mais sérias se não for tratada;
  • Tensão cardiovascular: altas temperaturas podem agravar problemas cardíacos, aumentando o risco de ataques cardíacos e outras doenças relacionadas, como o infarto;
  • Problemas respiratórios: temperaturas elevadas podem piorar a qualidade do ar, agravando condições como a asma e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

Epidemiologia de campo: na linha de frente contra das doenças relacionadas ao calor

Os epidemiologistas de campo desempenham um papel vital na mitigação dos riscos à saúde associados à exposição ao calor. Confira alguns âmbitos de atuação dos detetives da saúde pública:

  • Vigilância e coleta de dados: Mapear os impactos na saúde pública das ondas de calor para reunir dados a fim de gerar respostas em tempo oportuno;
  • Avaliação de risco: a partir da identificação de grupos vulneráveis, mapear padrões no impacto e incidência da doença na população e avaliar sua exposição ao calor extremo;
  • Intervenções em saúde pública: no desenvolvimento e promoção de estratégias para a redução da exposição ao calor, como sistemas de alerta de calor e sistemas de refrigeração comunitários.

Estes profissionais são essenciais em guiar as estratégias em saúde pública para minimizar o impacto do calor nas comunidades, incluindo campanhas de conscientização da população, medidas de adaptação e respostas emergenciais. 

Conforme as mudanças climáticas intensificam a frequência das ondas de calor, os epidemiologistas de campo estarão na vanguarda da compreensão e no enfrentamento desta ameaça crescente. Ao identificar os riscos à saúde e implementar soluções eficazes, eles podem ajudar a proteger as populações dos efeitos devastadores do calor extremo.

Texto por Matheus Ponte

Referências

BBC. Brazil records its hottest ever temperature. Acesse em: https://www.bbc.com/news/world-latin-america-67482423

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Acesse em: https://www.cptec.inpe.br/

Climate Signals. European Heat Wave 2003. Acesse em: https://www.climatesignals.org/events/european-heat-wave-2003

Encyclopedia Britannica. India-Pakistan heat wave of 2015. Acesse em: https://www.britannica.com/event/India-Pakistan-heat-wave-of-2015

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Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2007: Working group II: Impacts, Adaption and Vulnerability. Acesse em: https://archive.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg2/en/xccsc1-2-4.html

Met Office. The Russian heatwave of summer 2010. Acesse em: https://www.metoffice.gov.uk/weather/learn-about/weather/case-studies/russian-heatwave

Metsul. Brasil terá onda de calor incomum e uma das mais intensas da história. Acesse em: https://metsul.com/brasil-tera-onda-de-calor-incomum-e-uma-das-mais-intensas-da-historia/

Nature. The unprecedented Pacific Northwest heatwave of June 2021. Acesse em: https://www.nature.com/articles/s41467-023-36289-3

The Lancet. The Lancet Countdown on health and climate change. Acesse em: https://www.thelancet.com/countdown-health-climate

World Health Organization. Heat and Health. Acesse em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/climate-change-heat-and-health#:~:text=Between%202000%E2%80%932019%20studies%20show,excess%20deaths%20occurred%20(3).

World Meteorological Organization. Eight warmest years on record witness upsurge in climate change impacts. Acesse em: https://wmo.int/news/media-centre/eight-warmest-years-record-witness-upsurge-climate-change-impacts

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